História do Aeródromo de Viseu e Aeroclube de Viseu
O espaço onde hoje se situa o Aeródromo de Viseu era um conjunto de terrenos baldios chamado de Campo da Muna. Nesses tempos as unidades militares estacionadas em Viseu, o Regimento de Infantaria de Viseu e o Regimento de Cavalaria VII utilizavam o referido campo para os seus treinos.
O Campo da Muna não tinha pistas, era apenas um descampado razoavelmente plano, alagado em algumas partes e com algumas irregularidades. Corria o ano de 1935 mês de Junho e, no decorrer do II Rallye Nacional Aéreo, dá-se um acidente, na aterragem, da aeronave Tiger Moth então tripulada pelo Tenente Tovar Faro e pelo Sargento Gonçalves Lobato, recém regressado do Épico raid aéreo em Timor, uma epopeia aeronáutica que teve grande impacto mediático nessa data. No acidente o jovem Sargento Mecânico Aeronáutico sucumbe aos ferimentos e, algum tempo mais tarde, a cidade de Viseu decide homenageá-lo, dando o seu nome aquele terreno onde viria a ser construído o futuro Aeródromo Gonçalves Lobato.
Como é do conhecimento, na comunidade aeronáutica Nacional, e nas gentes que habitam naquele local, na pista de Viseu o vento está quase sempre cruzado, pois a pista principal, e a primeira a ser construída, foi-o não no sentido dos ventos dominantes mas num angulo de cerca de 90 graus com os mesmos, ao contrário do que é a prática correta. Existe, todavia, uma razão histórica curiosa para tal… De facto, a pista estava originalmente planeada para ser construída no sentido dos ventos dominantes, ou seja, sensivelmente no rumo 040 / 220, todavia, nessa direção e prosseguindo ao longo da principal estrada de acesso que, na altura não passava de um caminho para o gado, existia uma pequena capela dedicada a Sto. António. Ora, nessa altura, sendo esta uma região com forte tradição agrícola, o povo celebrava anualmente uma romaria em que levava o gado, em procissão, á capela, marchando daí para o rio, para lhe dar banho. Como tal, era impensável na altura demolir a capela para se construir uma pista e, sendo assim, e devido ao Santo Casamenteiro, quis o destino que, em Viseu, ainda hoje aterremos quase sempre com vento cruzado…
Sendo assim, foi então que, em 1945, com a ajuda das tropas de engenharia militar se drenou e terraplanou o campo, construindo a primeira pista em terra batida, a atual 18/36, coincidindo com a criação da Escola de Aviação Viriato (EAV) e a Escola de Aeromodelismo montada e subsidiada pela Direção Geral de Aeronáutica Civil. Nesta altura, na cabeceira Sul, a pista encontrava-se limitada por uma elevação de terreno, um morro, o que dificultava bastante as aproximações á 36.
Esse morro foi terraplanado em 1950, mais uma vez, pela Engª militar. Nessa altura a estrada que aí existia e que limitava a pista a Sul foi desviada para contornar a cabeceira da 36, para o trajeto que percorre hoje em dia. Com estas obras a pista foi aumentada em cerca de 100m. Foi nesta altura que se asfaltou a pista
Por estas alturas a atual estrada principal ainda era apenas um caminho de carros de bois.
O Aeródromo permaneceria aproximadamente nas mesmas condições durante os 16 anos seguintes, altura em que, em 26 de Março de 1966, foi fundado o Aeroclube de Viseu. Entidade que, ao longo dos anos, grangeou admiração e prestígio no panorama nacional aeronáutico tendo, inclusive, recebido, em 30 de Março de 1969, elogio público do Ministro das Comunicações, Exmº. Brigadeiro Fernando de Oliveira, aquando da inauguração em Viseu dos Táxis aéreos da TAP, elogio a que a comunicação social deu significado relevo.
Após 50 anos da sua fundação, que se comemoraram no passado dia 26 de Março de 2016, os únicos sócios fundadores do Aeroclube de Viseu, membros dos primeiros orgãos sociais e que ainda se encontram entre nós são:
- Carlos Manuel Peixoto, ex-membro do Conselho Fiscal,
- Isolino Lemos Gomes, ex-Secretário da Direção e eu,
- Jaime Ramos da Gama Bandeira, ex-Tesoureiro,
E foi, em grande parte, com a sua ajuda que esta história foi contada.
Ao historiarmos alguns dos episódios mais relevantes da fundação do Aeroclube, é fundamental recordarmos, com muita saudade, os colegas que nos acompanharam nessa missão e que já não se encontram entre nós, figuras proeminentes sob todos os aspetos e, muito especialmente, pelo empenho e toda a sua dedicação ao Aeroclube que ajudaram a construir, e que identificamos e homenageamos envolvendo-os com muito sentimento nesta data festiva:
- Dr. João Lacerda – Presidente da Mesa da Assembleia Geral;
- Engº Beirão do Carmo – Vogal da Mesa da Assembleia Geral;
- Francisco Vasconcelos Peixoto – Presidente da Direção;
- Engº Coelho Araújo – Presidente do Conselho Fiscal; e
- Engº José Ferreira dos Santos – Vogal do Conselho Fiscal.
Não foram fáceis os primeiros tempos que vivemos em plena guerra colonial em que nos encontrávamos envolvidos. Contudo, esta situação que, ao tempo, bastante nos traumatizava, proporcionou a todos os Aeroclubes portugueses algumas ajudas importantes como contrapartida pela sua colaboração com a Força Aérea Portuguesa na formação de pilotos, concedendo-lhes facilidades de ordem material, através da Direção Geral da Aeronáutica Civil, nomeadamente, cedência de aeronaves, combustíveis e subsídios de formação, além do privilégio do estatuto de “Entidade de Interesse Público”, que proporcionava muitas facilidades de ordem funcional.
Neste contexto, reunidos que estavam todos os pressupostos constituintes e aprovados os Estatutos do Aeroclube, procedeu-se, em Assembleia Geral, à eleição dos primeiros órgãos sociais que, de imediato, deitaram mãos à obra, diligenciando o recebimento de um prometido Avião “Auster”, principal elemento para podermos, como desejava-mos, dar início em pleno à nossa atividade. A entrega do avião que nos estava destinado, estava, contudo, retardada por parte da Direção Geral da Aeronáutica Civil, em virtude de se encontrar inoperacional por aguardar revisão das 25 horas, programada nas Oficinas Gerais, mas em lista de espera por haver outras aeronaves mais urgentes.
Estávamos ansiosos por demonstrar e mostrar aos nossos associados que não estava descurada esta peça essencial ao fim a que nos propusemos. Com a promessa solene de não o utilizarmos antes da sua obrigatória revisão, foi-nos entregue, com o compromisso de a realizarmos, por conta própria, em mecânico especializado e devidamente credenciado pela DGAC. Solucionámos este inesperado entrave com êxito recorrendo aos Serviços de Manutenção do Aeroclube da Costa Verde, de Espinho, devidamente credenciados, com quem tínhamos as melhores relações de cooperação e com quem firmámos um Contrato de Manutenção para as nossas aeronaves, os quais, nas suas Oficinas chefiadas pelo prestigiado mecânico, que foi da Força Aérea, Capitão José Oliveira Dias, nos deram todo o seu credenciado apoio, para, finalmente, podermos mostrar aos nossos associados o primeiro avião Auster com a matrícula CS-ANS com o qual rejubilaram em dia de batismo e festa de apresentação. Foi-lhe atribuído o nome de JOÃO TORTO em homenagem ao viseense, de nome João Almeida Torto, que, em 1540, tentou voar com um sistema de asas inventado e fabricado por si, e perante uma multidão se lançou de uma das torres da Sé Catedral de Viseu, vindo a estatelar-se na calçada de S. Mateus, onde faleceu, depois de ter voado cerca de 100 metros.
Com este avião iniciámos as atividades mais relevantes e visíveis do ACV, com a colaboração dos nossos sócios/pilotos, Nuno dos Santos, com muita experiência nos aviões Auster adquirida nas operações militares da Guerra Colonial em Angola e o Capitão Gaioso, que fez parte dos nossos Corpos Sociais, como Vogal, e cujo paradeiro se desconhece depois de ter saído de Viseu para comandar a PSP do Porto.
Face ao grande entusiasmo e rigor das nossas atividades e ao nosso bom comportamento fomos reforçadas, mais tarde, com um novo Auster, o CS-ANR, igualmente cedido pela DGAC que foi batizado com o nome de VISEU, para dar visibilidade ao nosso Aeroclube e à nossa bela e querida cidade de Viriato.
Entretanto, com o apoio do nosso Piloto Instrutor, Nuno dos Santos, o nosso associado, Germano Bento Ferreira, já falecido, revalidou no Auster CS-ANS, mediante provas perante a DGAC o seu “brevet”, que se encontrava caducado por falta de horas obrigatórias de voo, tornando-se, assim, o primeiro aluno e êxito da nossa Escola de Pilotagem.
Por acordo com Câmara Municipal de Viseu, no perfeito reconhecimento da atividade do ACV como de “interesse público” o Aeroclube de Viseu ficou instalado e sedeado no Hangar principal do Aeródromo, ocupando, também, as instalações administrativas para os seus serviços de secretariado, aulas dos pilotos e “check-in”.
Uma das primeiras e principais iniciativas do ACV, foi melhorar o acesso às instalações do Aeródromo, e em colaboração com a Câmara Municipal de Viseu e o Regimento de Infantaria 14 removeu-se o grande morro de terra e pedras onde se encontrava situada a antiga e velha Casa do Guarda, obtendo-se, deste modo, uma entrada totalmente funcional e perfeita visibilidade da pista e restantes instalações.
Anualmente realizaram-se vários festivais aeronáuticos, com a sempre amável e indispensável colaboração da Força Aérea Portuguesa, com exercícios de propaganda aeronáutica, em que sobressaía sempre a célebre esquadrilha “Asas de Portugal”, e outros aviões de vários tipos, lançamento de Paraquedistas, Helicópteros Heli3 em exercícios conjuntos muito arrojados, Aviões em voos de Acrobacia e Perícia e Planadores, sempre aplaudidos por milhares de pessoas vindas de todo o nosso distrito, muitas das quais aproveitando para fazer o seu “batismo” de voo devidamente certificado com Diploma.
Igualmente se revestiu de muito êxito o único “Rally Automóvel VISEU”, realizado na nossa região, com início e términus no Aeródromo Gonçalves Lobato, que, por inédito, foi também muito aplaudido pelos inúmeros entusiastas do desporto automóvel e não só.
Entre as provas complementares, destacou-se a subida da rampa da Senhora do Castelo, em Vouzela, onde, finda a qual, foi servido a toda a caravana e convidados um “lanche de honra” com a colaboração das Exmªs. Autoridades locais.
Na sequência de todo o nosso entusiasmo arrojámo-nos, com algum do dinheiro disponível depositado e a vontade expressa de toda a Direção para avalizar um empréstimo bancário, a comprar um novo e moderno avião francês de asa baixa, marca “RALLY-CLUB” com motor Rolls Roice, matrícula CS-AIW, colocando-se, assim, orgulhosamente, como é vulgar dizer-se, a “cereja em cima do bolo” da nossa frota de aviões disponíveis para treino e voo.
Foi com três aviões, 3000 litros de combustível e condições financeiras invejáveis que entregámos o Aeroclube, em finais de 1974, aos novos órgãos sociais que nos sucederam, depois de, em Assembleia Geral de Eleições, muito participada, realizada no Salão da Câmara Municipal, ter prevalecido, democraticamente, a vontade de outros valores que se propunham continuar a gerir o Aeroclube de Viseu com o mesmo empenho e rigor.
Durante os anos que se seguiram e até recentemente, o Aeroclube de Viseu continuou a sua tarefa de formar pilotos e dar a conhecer ao público em geral o fantástico mundo da aeronáutica, inspirando muitas jovens a seguir esta carreira, sendo que alguns deles são hoje pilotos de linha aérea em várias companhias no mundo, incluindo a TAP.
Recentemente, o Aeroclube de Viseu está a expandir a sua área de interesses para se adapatar às grandes mudanças tecnológicas que se adivinham no horizonte ou que já se afirmam por inteiro, designadamente no domínio de aeronaves não tripuladas (drones) e no domínio aeroespacial, numa vertente educacional.
Antes de 1959 no Aerodromo de Viseu